Ouro, sangue e mel: a trajetória completa de Ortigueira, do massacre à potência

Ortigueira de outros tempos - Foto: Acervo Pessoal

A história de Ortigueira é um complexo tecido de eventos que se estende por séculos, indo muito além das narrativas simplistas encontradas em registros não oficiais. Conforme revelado pesquisadora Josiliane Corrêa da Silva, e corroborado pela análise crítica dos arquivos de Tibagi, o município foi palco de missões religiosas, conflitos armados e ciclos econômicos diversos.

Para compreender a cidade, é preciso aceitar que a história oficial sofreu com a ausência de documentação local. Durante séculos, os registros eram feitos na comarca vizinha de Tibagi, e fatos cruciais, como a posse de escravos, eram frequentemente omitidos para evitar a tributação imperial. Antes de receber seus nomes oficiais, todo esse vasto território era parte dos sertões de Tibagi.

Travessia de Tibagi aos sertões (nela vemos uma carruagem de mascate atravessando de balsa)

O Conflito Triplo e o Massacre (1610-1691)

As raízes históricas da região começam em 1610 com a Missão Guaíra, um empreendimento jesuíta espanhol com o objetivo de evangelizar indígenas. O fim desse período, em 1691, não foi um evento isolado, mas o resultado de um conflito triplo e sangrento na comunidade conhecida hoje como Natingui.

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A pesquisa aponta para uma convergência letal: a invasão dos Bandeirantes Paulistas somou-se a ataques de grupos indígenas rivais em busca de ouro e ao assassinato de escravos e colonos no fogo cruzado. O resultado foi a dizimação das populações locais e um aparente vazio demográfico que silenciou a região por décadas.

O Barão, a Escravidão e a Sonegação (1827-1899)

O vácuo populacional foi preenchido pelas Sesmarias (lotes de terra concedidos por Portugal). A partir de 1827, a Fazenda Monte Alegre expandiu-se como um imenso latifúndio sob o comando de Bonifácio José Batista, o Barão de Monte Carmelo.

O Barão unificou os territórios e enraizou a escravidão na região. O antigo Casarão da fazenda fazia divisa com o Natingui, conectando o passado de massacres ao novo sistema escravocrata. É importante notar que esses “bens humanos” raramente eram registrados em cartório, numa estratégia deliberada de sonegação fiscal da época.

A Verdade sobre “Queimadas” e os Capitães de Mato (c. 1900)

No início do século XX, faz-se a correção histórica mais urgente. A região ficou conhecida como Queimadas, nome dado devido à prática frequente de atear fogo na vegetação para a limpeza de terrenos na época.

O povoado de Queimadas não estava vazio à espera de heróis. Antes de 1900, já residiam ali figuras como Isidoro da Rocha Pinto, Manoel Teixeira Guimarães, Salvador Donato e a autoridade local Francisco Barbosa de Macedo (dentista e delegado), todos sob influência do Monge São João Maria.

Francisco Barbosa de Macedo de sobretudo ao lado de seu capataz

A lenda dos “três desbravadores” refere-se a um grupo posterior. Vindos do Distrito de Socavão (Castro), Domiciano Cordeiro dos Santos, Adolfo Alves de Souza e Marcílio Rodrigues de Almeida estabeleceram-se no Monjolinho. A pesquisadora esclarece que eles não eram pioneiros em terra virgem, mas sim Capitães de Mato, homens contratados para capturar escravos fugitivos, que acabaram se fixando numa terra já habitada.

Monge São João MariaMonge dos excluídos

Ferrovia e a Incerteza da Imigração (Pós-1921)

A modernidade desembarcou em 1921 com a ferrovia e a Maria Fumaça. Nesse contexto, formaram-se núcleos importantes como a Colônia Caetê (ucraniana) e a Colônia Augusta Vitória (alemã).

Existe uma discussão histórica sobre a cronologia exata dessas chegadas. Embora algumas fontes citem a década de 1920 para os ucranianos e 1932 para os alemães, não há registro documental oficial que comprove definitivamente qual grupo se estabeleceu primeiro na região.

Paralelamente, a herança do Barão gerou resistência. A manutenção ilegal da escravidão levou à formação de Quilombos não oficias no Natingui e na Briolândia, prova vital da contribuição negra que sobreviveu à margem dos registros oficiais.

O nome Ortigueira e o futuro de ouro

A emancipação política consolidou-se em 1952, com Francisco Sady de Brito assumindo como o primeiro prefeito. Foi nesse contexto que o município adotou o nome definitivo: Ortigueira. A nomenclatura é uma referência direta à abundância de ortigas (plantas urticantes) presentes na flora da região.

Termo de posse: assinado em 14 de dezembro de 1952 pelo então prefeito Francisco Sady de Brito – Fonte: Comunicação Social da Prefeitura de Ortigueira

Hoje, o “ouro” que motivou massacres no passado brota da terra de outra forma. Ortigueira transformou-se em uma potência do mel e abriga o Projeto Puma da Klabin, o maior investimento privado da história do Paraná. Das cinzas de Queimadas, ergueu-se um gigante que honra o sangue de indígenas, negros, imigrantes e sertanejos.

Ciclo da madeira pelo Rio Tibagi

Galeria de fotos

Uma iniciativa OrtiNews

Este resgate histórico inédito é um projeto idealizado pela pesquisadora Josiliane Corrêa da Silva em parceria com o OrtiNews. O conteúdo é fruto de uma extensa pesquisa de anos, que buscou em arquivos e documentos a verdade sobre a formação do município para preservar sua memória.

Nota: A pesquisa citada está em andamento e este artigo reflete as descobertas atuais, sujeitas a novas atualizações.

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